A Batalha de Azincourt
A batalha de Azincourt (1415) é um dos eventos mais famosos da Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Ela é assim chamada por causa do castelo de Azincourt que ficava próximo ao local da batalha, ocorrida entre as florestas de Agincourt e Tramecourt, ao sul da cidade francesa de Calais. Seu contexto é a primeira campanha militar de Henrique V (1413 - 1422) contra a França depois que assumiu o trono inglês e o resultado foi uma grande vitória dos ingleses.
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O novo rei tinha vários motivos para realizar essa empreitada, como a possiblidade de obter gigantescos lucros e prestígio com a invasão, o direito, que ele afirmava ter, de ser o legítimo herdeiro da coroa francesa e o fato de que a França se encontrava enfraquecida devido a uma guerra civil que nela ocorria, tornando o momento ideal para uma invasão.
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Sua fama se deve principalmente porque nela os ingleses obtiveram uma vitória arrasadora sobre os franceses, mesmo estando em considerável desvantagem numérica, pois, conforme fontes documentais, se acredita que nove mil ingleses enfrentaram doze mil franceses. Além disso, as condições do lado inglês eram muito desfavoráveis, pois, somado ao fato de estarem em menor número, eles tiveram que percorrer uma longa marcha depois um cerco que não trouxe bons resultados, com seus suprimentos quase acabando e sofrendo um surto de disenteria (doença intestinal que provoca espasmos dolorosos, febres elevadas e diarreias que podem levar à desidratação) que tirou a vida de 25% a 30% do exército inglês. Por conta disso a batalha foi considerada uma vitória dos fracos contra os fortes, uma demonstração da superioridade britânica e uma batalha para nunca ser esquecida.
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Os motivos para a derrota francesa são vários. Um dos elementos que ajudou nisso foi o terreno. A presença de florestas nos dois lados do campo de batalha impediu que os franceses cercassem o inimigo por todos os lados, atacassem pela retaguarda ou pelos flancos; a única opção era seguir sempre em frente, em um campo de batalha que, visto de cima, tinha o formato de um “v”, o que fazia com que os adversários dos ingleses fossem obrigados a ir cada vez mais se amontoando no centro do lugar.
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Somado a isso o solo tinha sido remexido há algum tempo atrás para o plantio de trigo e se encontrava bastante enlameado por causa de recentes chuvas, o que dificultou o avanço francês. Com isso, os indivíduos montados em cavalos e aqueles que estavam a pé tiveram um lento avançar, principalmente por causa das suas pesadas armaduras de aço. Isso os tornou presas fáceis para o exército inglês que sabia, pela qualidade das proteções de metal, quem eram os mais ricos, colaborando para que uma enorme quantidade da aristocracia morresse no conflito. Por outro lado, o solo barrento tornava fácil para os ingleses colocar e retirar as estacas de madeira que eles utilizavam como defesa contra a carga de cavalaria francesa (manobra onde vários cavaleiros corriam lado a lado em direção ao inimigo).
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Outro fator que ajudou na derrota foram os conflitos internos dentro do exército francês, que possuía na sua composição duas facções políticas rivais, os Borguinhões e os Armagnacs, as quais estavam em guerra civil desde 1407. Ainda que fosse muito bem preparada e possuísse homens competentes, a cavalaria francesa foi fortemente afetada por essas rivalidades, ficando desordenada, indisciplinada e sem um comando unificado, o que contribuiu para uma desordem tática generalizada. Do outro lado a situação era totalmente o contrário, pois os seguidores de Henrique V se encontravam unidos, principalmente depois de tudo pelo qual passaram juntos e em virtude da grande capacidade de liderança do rei inglês.
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Além disso, é preciso destacar o papel decisivo dos arqueiros ingleses com seu Arco Longo Inglês. Eles, no início da batalha, através da sua “tempestade de flechas”, mataram milhares de inimigos ao impedir o avanço da cavalaria francesa e causar um verdadeiro caos na vanguarda (parte da frente do exército) francesa. Mais adiante tiveram um papel destacado na morte de centenas de adversários, lutando ao lado de homens de armas ingleses. Isso porque utilizavam roupas mais leves, que os deixavam ágeis e permitiam se mover rapidamente no meio da luta. Além disso, a maior parte do exército inglês era formado por arqueiros que representariam, segundo estimativas recentes, 75% da tropa.
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Nos anos seguintes à batalha, porém, a principal causa atribuída por religiosos que narravam o conflito e pelo próprio rei Henrique V para a derrota francesa era a lenda da vingança divina. Um ano antes da Batalha de Azincourt os franceses reconquistaram a cidade de Soissons (França), que estava sob domínio inglês. Segundo relatos da época durante esse ato eles foram bastante cruéis, matando muitas pessoas inocentes e destruindo prédios locais. Ocorre que os santos padroeiros dessa cidade eram São Crispim e São Crispiniano, justamente os santos do dia da Batalha de Azincourt (25 de outubro). Desse modo, eles teriam ajudado os ingleses na sua vitória como uma forma de se vingar da destruição que os franceses fizeram na cidade que os acolheu em vida.
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Graças à vitória em Azincourt, Henrique V conseguiu garantir sua posição no trono, pois o prestígio que ele recebeu lhe garantiu apoio do parlamento inglês e dos grandes senhores do reino. Assim ele pode juntar recursos para uma nova ofensiva contra a França. Porém, após a batalha de 1415, a Inglaterra começou lentamente a perder seus territórios, o que foi agravado pela morte prematura de Henrique V em 1422, que acelera o fim da Guerra dos Cem Anos.
Desse modo a vitória ocorrida no dia de São Crispim e Crispiniano foi uma das últimas do exército inglês. Olhando para trás muitos historiadores defendem que seus efeitos práticos foram mínimos, pois não encerrou o longo conflito entre Inglaterra e França, não ajudou Henrique V a sentar no trono francês e nem mesmo garantiu a assinatura de algum acordo de paz entre os dois lados. Ainda assim, devido às circunstâncias acima expostas, ela continua até hoje a ser lembrada.
REFERÊNCIAS
CURRY, Anne. Great Battles: Agincourt. New York: Oxford University Press, 2015. 256 p.
BARKER, Juliet. Agincourt: Henry V and the battle that make england. New York: Hachette Book Group, 2006. 407 p. Edição em formato eBook.
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Sobre o autor do verbete: Ramiro Paim Trindade é mestrando em História Licenciatura pela UFSM e faz parte do Grupo de História Medieval e Renascentista-Virtù. E-mail: ramiropaim@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1986731414004428