Julio II (Papa)

Giuliano Della Rovere (1443 – 1513) nasceu em Albissola, próximo de Savona, em dezembro de 1443. Enquanto crescia, estudou com os Franciscanos. Seu tio, Francesco Della Rovere, fazia parte da Ordem e era ministro-geral dos Franciscanos. Este foi nomeado cardeal em 1467, eleito papa em 1471, adotando o nome papal de Sisto IV (1471 – 1484). Logo após a coroação intensificou a prática do nepotismo, tornando cardeal seus sobrinhos Pietro Riario (1445 – 1474) e Giuliano Della Rovere.
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Durante o pontificado de Sisto IV, Giuliano foi nomeado cardeal de São Pedro em Vincoli, mas também foi conselheiro de Sisto IV. Além disso, ele era “arcebispo de Avignon e de Bolonha, bispo de Lausanne, Coutances, Vivier, Menda, Ostia, Velletri e abade de Nonantola e Grottaferrata, além de fruir de vários benefícios menores” (DUFFY, 1998, p. 148). Durante o pontificado de Alexandre VI (1492 – 1503), o cardeal se afastou de Roma e evitou frequentar os mesmos lugares que o papa (MONGE, 2016, p. 434), e no decorrer de quase todo o pontificado de Alexandre VI, o cardeal Giuliano viveu refugiado na França (NORWICH, 2012, p. 275) ou afastado de Roma. Após o brevíssimo pontificado de Pio III (1503), o conclave elegeu Giuliano Della Rovere, que na coroação adotou o nome papal de Júlio II, em referência ao romano Júlio César (100 a.e.c. – 40 a.e.c.) (LENZENWEGER et al, 2006, p. 154).
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Alguns historiadores propõem que durante o pontificado Júlio II serviu à Igreja e ao Estado Papal menos como um sacerdote do que como soberano e chefe militar (LENZENWEGER et al, 2006, p. 154). Ademais, segundo o historiador Eamon Duffy, o pontífice “serviu fiel e espetacularmente os interesses do papado tal qual os entendia, inclusive os financeiros. Embora fosse o mais sofisticado patrono da arte e não poupasse dinheiro em suas guerras, deixou repleto o tesouro papal” (DUFFY, 1998, p. 147). Todas as campanhas militares conduzidas durante seu pontificado eram destinadas a reconstrução e ampliação dos Estados Papais, assim, tanto que diversas incursões militares foram pessoalmente lideradas por Júlio II, que se reapropriou da România, arrancando-a da Veneza, e ocupou Perugia e Bolonha (MONGE, 2016, p. 434). E nos últimos anos de seu pontificado expulsou os franceses da Itália e ampliou os Estados papais até Parma, Piacenza e Reggio Emilia (DUFFY, 1998, p. 147).
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Entre seus contemporâneos, Júlio II era visto como o papa que vestiu mais vezes a sua armadura e empunhou a espada do que a mitra papal, por isso era conhecido como il terribele (DUFFY, 1998, p. 147), também era lembrado por Lutero como den Blutseufer Julium ou Júlio, o vampiro (LENZENWEGER et al, 2006, p. 155). Para seus adversários e inimigos, Júlio II, era aterrorizante e violento, e segundo Duffy foi o pontífice mais feroz do período (DUFFY, 1998, p. 147), para mais, “Erasmo [de Roterdã] odiava o Júlio beligerante e mundano, que representava tudo quanto, em sua opinião, um padre não devia ser” (DUFFY, 1998, p. 152). Além disso, o florentino Francesco Guicciardini afirmou não haver nada de sacerdotal no papa (MONGE, 2016, p. 434). Durante a coroação do papa Leão X (1513 – 1521), em um arco triunfal havia a inscrição que dizia: “reinaram Vênus (Alexandre VI) e Marte (Júlio II), agora é Palas Atena” (LENZENWEGER et al, 2006, p. 155). A comparação do pontífice ao deus romano era uma alusão as diversas guerras empreendidas por Júlio II, somado a isso, ele era conhecido entre seus contemporâneos como uma pessoa exaltada e agressiva.
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Entretanto, Júlio II não foi o único papa a liderar os exércitos pontifícios, durante a Idade Média, o papa Leão IX (1049 – 1054) lutou contra os normandos, pois eram vistos com inimigos da Igreja, visto que haviam tomado suas terras. Todavia, na batalha o papa foi derrotado e feito prisioneiro (MONGE, 2016, p. 306), de modo que foi preciso negociar seu resgate e posteriormente conceder a posse das terras aos normandos. Além disso, durante o movimento renascentista outros papas financiaram exércitos pontifícios e mercenários, além de garantir engajamento militar dos reinos como a França e Espanha, por meio de negociações diplomáticas, para que suas tropas lutassem contra os turcos. Somado a isso, por exemplo, o papa Leão X, da família Medici, promoveu uma política belicosa com a intensão de defender Florença e os interesses de sua linhagem (DUFFY, 1998, p. 147), deixando em segundo plano o Estado Papal e os ritos sacerdotais.
Além da sua expressiva atividade beligerante, Júlio II se dedicou as atividades religiosas, principalmente na luta contra a simonia e a reforma das ordens monásticas, além de incentivar as ações missionárias no continente americano. Ele também convocou o XVIII Concílio Ecuménico e V Concílio de Latrão (1512 – 1517), que mais que um caráter religioso, era permeado por questões políticas, promovido para recuperar e reforçar a autoridade do Papa, além de condenar a Pragmática Sanção de Bourges (MONGE, 2016, p. 434). Datada de 1438, a Sanção de Bourges, tirava do pontífice o direito de nomear bispos franceses, limitando então as ações do Vicário de Cristo sobre o reino francês, tanto que essa situação tornou a relação entre o papa Sisto IV e o rei Luís XI delicada e tensa. A Sanção também limitava os contributos franceses que deveriam ser pagos para Roma (MONGE, 2016, p. 426).
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Júlio II também foi grande mecenas, durante seu pontificado chamou a Roma Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) e Rafael Sanzio (1483 – 1520), além do arquiteto Donato Bramante (c. 1444 – 1514) que ficou encarregado de projetar e reconstruir a Basílica de São Pedro. Em 1506, Rafael foi convidado para adornar as paredes do apartamento papal no Palácio Apostólico. Os afrescos celebravam “igualmente a razão e a fé, as glórias da filosofia pré-cristã, mas também e especialmente os ensinamentos da Igreja” (DUFFY, 1998, p. 144). Os cômodos foram decorados com arranjos iconográficos que enalteciam o intelecto como o afresco, intitulado posteriormente como Escola de Atenas. Além da representação de cenas que expressavam a determinação do papa e guerreiro que buscava livrar a Igreja de seus inimigos terrenos, por isso Rafael pintou também a Expulsão de Hiliodoro, a Libertação de São Pedro (Júlio fora o padre cardeal da igreja de São Pedro Agrilhoado) e a Repulsa de Átila (DUFFY, 1998, p. 144).
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O escultor Michelangelo foi convidado pelo pontífice para projetar e decorar o seu túmulo com uma série de esculturas em mármore. Todavia depois de alguns meses de trabalho, Júlio II perdeu o interesse pelo mausoléu, pois o projeto de construção de uma nova igreja de São Pedro absorveu toda a sua atenção. A vista disso, Michelangelo abandonou a cidade de Roma e voltou para Florença, “de onde escreveu uma áspera carta ao Papa dizendo que, se o quisesse de volta, tratasse de ir procura-lo” (GOMBRICH, 2012, p. 307). Todavia, Júlio II rapidamente começou a negociar o retorno do artista a Roma, no entanto, Michelangelo não deveria seguir com a decoração do túmulo. Havia em Roma uma capela, construída durante o papado de seu tio Sisto IV. Ademais, as paredes da capela tinham sido decoradas pelos mais famosos pintores da geração anterior – Botticelli, Guirlandaio e outros. Cenas do Antigo e do Novo Testamento foram pintadas pelos artistas, formando os chamados Ciclo da Vida de Moises e Ciclo da Vida de Jesus, porém a abóboda ainda estava virgem. Por isso, o papa sugeriu a Michelangelo que a pintasse (GOMBRICH, 2012, p. 307).
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Entretanto, Michelangelo se considerava um escultor e não um pintor, por isso tentou se esquivar dessa encomenda, porém Júlio II se manteve irredutível (GOMBRICH, 2012, p. 307). Por fim, ele aceitou com relutância o pedido do papa, mas rejeitou as ideias temáticas de um céu simples e estrelado por uma composição bíblica que representa desde a Criação Divina até a Queda do Homem. O teto da Capela Sistina foi ricamente decorado com corpos humanos contorcidos em diversos ângulos, pilastras e outros motivos arquitetônicos preencheram o espaço. Durante quatro anos, entre 1508 e 1512, e alguns ajudantes, Michelangelo trabalhou esculpindo corpos com o pincel, pois ele pintou “homens e mulheres pujantes, em posturas de profunda meditação, lendo, escrevendo, discutindo ou atentos como se estivessem escutando uma voz interior” (GOMBRICH, 2012, p. 308). Desde o pontificado de Nicolau V (1447 – 1455), muitos papas foram entusiasmados patronos, durante o movimento renascentista, a corte papal renascentista chegou a empregar mais de cem humanistas ao mesmo tempo. Os pontífices se apropriaram do talento desses intelectuais, assim como colheram o dos pintores e arquitetos, a fim de criar uma imagem magnificente do papado (DUFFY, 1998, p. 144). Júlio II morreu a 21 de fevereiro de 1513. Foi sepultado em São Pedro, ao lado do tio Sisto IV, e depois transladado para São Pedro em Vincoli (MONGE, 2016, p. 434).
REFERÊNCIAS​
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DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores: história dos papas. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
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GOMBRICH, E. H.. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
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LENZENWEGER, Josef. STOCKMEIER, Peter. AMON, Karl. ZINHOBLER, Rudolf. BAUER, Johannes B.. História da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
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MONGE, Roberto. Dois mil anos de Papas: de São Pedro a Francisco. Tradução Maria do Carmo Abreu. Alfragide: Casa das Letras, 2016.
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NORWICH, John Julius. Absolute monarchs: a history of the papacy. United States of America: Randon House, Inc, 2012.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA​
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CHASTEL, André. A Arte Italiana. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora LTDA, 1991.
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HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.
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NÉRET, Gilles. Michelangelo: 1475 – 1564. Tradução Fernando Tomás. Alemanha: Taschen, 2006.
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O´MALLEY, John W.. A history of the popes: from Peter to the present. United States of America: Rowman & Littlefield Publishers, Inc, 2011.
Sobre o autor do verbete: Jordana E. Schio, é doutoranda do Curso de História na UFSM e integrante do Virtù. | E-mail: jordanaschio06@gmail.com | Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3602844717231875