FRANCESCO GUICCIARDINI

Ritratto di Francesco Guicciardini por Cristofano di Papi dell'Altissimo.
Francesco Guicciardini (1483 – 1540) foi historiador e estadista. O florentino viveu entre os últimos anos do século XV e primeiras décadas do século XVI, momento em que o mapa político da Península Itálica passava por diversas alterações. Segundo o historiador Eamon Duffy, durante a segunda metade do século XV, o ambiente político era instável e a lealdade oscilava, as repúblicas e o Estado Papal se envolviam em tramas políticas lideradas por famílias influentes, como os Medici de Florença, os Sforza de Milão, os Malatesta de Rímini (DUFFY, 1998, p. 145). Guicciardini foi contemporâneo de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527). Ambos se destacaram no cenário político-diplomático pelos cargos importantes que ocuparam, mas também pelas reflexões políticas e históricas sobre a Renascença Italiana nas primeiras décadas do século XVI. Ademais, segundo o jurista e filósofo francês Jean Bodin (1530 – 1596) Guicciardini foi “o pai da historiografia Moderna” (MOULAKIS, 1998, p. 32).
O historiador britânico Quentin Skinner destacou que o primeiro texto político de Guicciardini foi redigido enquanto estava alojado no Reino Espanhol, em 1512. A obra chamada Discurso de Logroiío, marca temporalmente e geograficamente a trajetória de Guicciardini, pois leva o nome da cidade espanhola onde se encontrava quando o redigiu (SKINNER, 1996, p. 174 – 175). Nessa época ele fazia parte da corte espanhola, pois era o embaixador de Florença (SANTIDRIAN, 1986, p. 221). Além de ocupar diversos cargos políticos, ele escreveu muitos livros com teor histórico e político, como o tratado Diálogo sobre o governo de Florença, entre 1521 e 1523. Durante dois anos, entre 1528 e 1530, Guicciardini completou suas Máximas e reflexões, uma série de breves observações sobre alguns homens e eventos que aconteceram ao longo de 1512 (SKINNER, 1996, p. 175).
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Além disso, ele também escreveu uma série inacabada intitulada Considerações sobre os Discursos de Maquiavel, datada de 1530 (SKINNER, 1996, p. 175). Nessa obra Guicciardini ataca e refuta as reflexões de seu contemporâneo Maquiavel, uma vez que no livro Discorsi, Maquiavel defendeu que o governo feito pelo povo era melhor que o gerido pelos príncipes (SKINNER, 1996, p. 179). No livro, Maquiavel também refletiu sobre o sistema político republicano e a perspectiva de garantir um horizonte mais amplo de liberdades aos seus cidadãos. Opinião contrária à de Guicciardini, para ele o povo não teria capacidade de fazer boas decisões, que a sua liberdade de escolha levaria a mudanças negativas, segundo ele ao povo não deveria ser dado o poder de decisão sobre assuntos importantes (SKINNER, 1996, p. 181).
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História de Itália (no original, “Storia d’Italia”) publicado pela primeira vez postumamente, em 1561, foi a principal obra escrita por Guicciardini. O livro narra os eventos político-militares que aconteceram na Península Itálica entre a morte de Lorenzo, o Magnífico (1449 – 1492) até a morte do papa Clemente VII (1523 – 1534). Segundo o professor de filosofia e tradutor Pedro Rodriguez Santidrian a obra serve ao leitor como um marco geográfico e temporal para entender a estrutura política, religiosa e social da Península Itálica no início do século XVI (SANTIDRIAN, 1986, p. 222). Guicciardini escreveu sobre muitos aspectos da política de Florença e da península durante o movimento Renascentista Italiano. Somado a isso, o florentino manteve uma vida pública muito dinâmica, tanto que ao longo de sua trajetória e “em sua vida política duas causas pelas quais proclamou apego fervoroso: as fortunas e a glória de sua família e a eminência e independência de seu país, a Florença ” (MOULAKIS, 1998, p. 30; tradução nossa).
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O conceito “ragioni degli stati” (em português, “razões dos estados”) apareceu pela primeira vez em 1521, na obra Dialogo del reggimento di Firenze. Segundo o professor Swergio Pistone, de forma simplificada, a Razão de Estado abarca o que confere a segurança ao Estado, e isso impõe aos governantes determinados modos de agir (PISTONE, 1998, p. 1066). Somado a isso, aspectos jurídicos, econômicos, morais e políticos ajudam a compor esse conceito, que para alguns (as) teóricos (as) e historiadores (as) teve sua gênesis no limiar da modernidade a partir da reflexão política de Maquiavel (PISTONE, 1998, p. 1066). Todavia, “Guicciardini trouxe a linguagem da arte de estado para um nível sem precedentes de refinamento intelectual e introduziu a ‘razão dos estados’ expressão mais tarde se tornaria o núcleo da nova compreensão da política ” (VIROLI, 1992, p. 178; tradução nossa). Para o professor e filósofo Maurizio Viroli, Guicciardini percebia a arte de governar o Estado como um processo mais complexo e mais amplo que a arte de governar uma família e a arte do comércio em geral (VIROLI, 1992, p. 178).
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Skinner escreveu que Guicciardini foi uma figura urbana e em suas reflexões defendeu o regime político republicano. Ademais, começou na vida pública jovem porque se beneficiou das conexões familiares ao mesmo tempo em que expandiu e reforçou sua rede de patronagem e influência política (MOULAKIS, 1998, p. 28). Guicciardini era membro de uma família da aristocracia e influente de Florença, tanto que ele era apadrinhado pelo filósofo e humanista Marsílio Ficino (1433 – 1499) (MORENO, 2020, p. 07). Durante a juventude foi educado pelos melhores professores florentinos. Em função do status da família, Guicciardini se adaptou as mudanças do regime político de Florença, em 1512, diferente de Maquiavel que foi afastado da vida pública (SKINNER, 1996, p. 174).
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Além dos cargos políticos ocupados em Florença, Guicciardini também serviu dois pontífices, o papa Leão X (1513 – 1521) e, posteriormente, Clemente VII (1523 – 1534) (SKINNER, 1996, p. 174), ambos membros da família Medici. Entretanto, apesar de Guicciardini servir ao dois, ele desprezava papas e sacerdotes mais do que qualquer outra coisa (VIROLI, 1992, p. 200). Tanto que o pontífice Júlio II (1503 – 1513) sofreu diversas críticas, pois suas atitudes não eram de um sacerdote, mas de um político e um estadista (SCHMIDT, 2016, p. 23). Todavia, em 1526, Guicciardini se tornou um dos conselheiros de Clemente VII, no mesmo ano ele foi nomeado general dos exércitos pontifícios, liderando diversas incursões militares entre os anos de 1526 e 1527. Guicciardini também participou de missões diplomáticas, ao mesmo tempo que servia como um dos conselheiros do duque Alessandro de Medici (1510 – 1537). Todavia, seu prestígio diminuiu ao lado de Cosme I de Medici (1519 – 1574), por isso em 1537 Guicciardini se afastou da vida pública. Desde o ano de 1535 ele já se dedicava a escrita do livro História de Itália. Ele morreu em maio de 1540, em Florença.
REFERÊNCIAS
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DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores: história dos papas. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
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HORNQVIST, Mikael. Machiavelli and Empire. New York: Cambridge University Press, 2004.
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JURDJEVIC, Mark. PIANO, Natasha. McCORMICK, John P.. Florentine Political Writings from Petrarch to Machiavelli. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2019.
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MORENO, Paola. Come lavorava Guicciardini. Roma: Carocci editore S.p.A., 2020.
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MOULAKIS, Athanasios. Republican realism in Renaissance Florence: Francesco Guicciardini’s di Logrogno. United States of America: Rowman & Littlefield Publishers, 1998.
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PISTONE, Swergio. Razão de Estado. BOBBIO, Norberto. Et al. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 1066 – 1073.
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SANTIDRIAN, Pedro Rodriguez. Humanismo y Renacimiento. Madrid: Alianza Editorial, 1986.
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SCHMIDT, Bernward. Julius II – Der päpstliche Monarch. / Julius II – The Papal Monarch. In: SANDER, Jochen. Raffael und das Porträt Julius' II. Das Bild eines Renaissancepapstes. / Raphael and the Portrait of Julius II. Image of a Renaissance Pope. Petersberg: Imhof Verlag, 2013, p. 9-23.
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SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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VIROLI, Maurizio. From politics to Reason of State: the acquisition and transformation of the language of politics. 1250 – 1600. New Jersey: Cambridge University Press, 1992.
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Sobre o autor do verbete: Jordana E. Schio, é mestranda do Curso de história na UFSM e integrante do Virtù. || E-mail: jordanaschio06@gmail.com || Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3602844717231875