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Bestiário

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Ao pensar no termo bestiário, já se evoca um imaginário de seres fantásticos. Entretanto, esse compêndio de textos literários possuía breves narrativas que descreviam diferentes espécies do mundo animal, criaturas fantásticas, plantas, aves e até mesmo rochas com menor frequência, também eram encontradas passagens religiosas.

Independente do conteúdo presente, os manuscritos possuíam em seus fólios uma mensagem moralizadora e didática. Esses catálogos, geralmente, eram criados por monges católicos, que reuniam informação sobre animais reais e fantásticos. Descreviam então o habitat que viviam, características físicas, a alimentação de tais criaturas e imagens com suas representações.

Existia um aspecto moralizante na relação entre texto e imagem, onde os animais assumiam um caráter de exemplo simbólico dos vícios ou virtudes a serem seguidas, uma fonte de ensinamentos religiosos e morais.

A produção dos bestiários se atribui à Idade Média, principalmente à Inglaterra entre os séculos XII e XIII, sendo que a base que se entende para a criação desses manuscritos é o Physiologus. Se acredita que a obra foi escrita em Alexandria, no Egito, por volta dos séculos II a IV da era Cristã — mas essa é uma suposição sobre a sua compilação.

Ela foi uma coleção de textos semelhantes à dos bestiários com capítulos sobre animais, plantas e pedras, onde após uma descrição física ou comportamental era acrescentada uma lição moralizadora, uma alegoria espiritual de ordem cristã.

O aviário era um tipo de manuscrito que descende da tradição do Physiologus, e esse compilado de textos foi criado por Hugo de Fouilloy (1100 – 1174), no século XII. Ele se assemelhava bastante ao bestiário, mas o texto estava mais voltado exclusivamente na descrição de aves. Alguns bestiários acabavam por incluir partes do aviário nos seus fólios, complementando dessa forma as suas descrições referentes as aves.

Muitos bestiários eram escritos em latim, como é o caso do Bestiário de Aberdeen (Biblioteca da Universidade de Aberdeen, MS 24), que possuía iluminuras luxuosas e caras, composto por cento e três fólios. O manuscrito foi escrito e ilustrado na Inglaterra no século XII, e devido ao seu texto e aparência parecidos ele está ligado ao Bestiário Ashmole (Biblioteca Bodleian da Universidade de Oxford, MS Ashmole 1511).

Os mosteiros eram os principais lugares de produção e consumo dos bestiários durante o medievo. Nesse mesmo período começou a se desenvolver uma maior expansão das bibliotecas monásticas, o que contribuiu para haver mais pessoas na confecção desses manuscritos. Portanto, não se pode afirmar que um determinado bestiário foi escrito por um autor particular, pois ele era o resultado de várias mãos, em que tal trabalho literário ao longo do tempo poderia ser copiado, traduzido ou ampliado.

O processo de confecção dos bestiários era complexo, passava desde à raspagem do couro do animal até a parte final da decoração. A criação e compilação era lenta, cara, e de público restrito, devido ao baixo índice de pessoas alfabetizadas durante o medievo, limitada a sua circulação, em geral, aos monastérios e catedrais.

Ainda que os bestiários comumente fossem produzidos em mosteiros por interesses religioso e como manual de estudos, em alguns casos havia a participação da elite secular. Ela auxiliava no patrocínio dos mosteiros e na produção dos livros, às vezes com interesse em transformar esses manuscritos literários em um presente. O patrocínio dessas obras se destaca pelo conjunto de elementos suntuosos, a utilização de ouro e prata, pigmentos raros para decoração aplicada nas letras capitulares.

Durante a Idade Média, as imagens surgem como uma possibilidade visual de acesso à informação e imagético sobre as figuras ali encontradas. No entanto, a iluminura precisa estar alicerçada com o texto, para uma melhor compreensão da totalidade descrita.

Os bestiários possuíam figuras ligadas diretamente ao texto, e até mesmo subordinadas a eles. Essa relação entre o texto e a imagem é essencial e indissociável, onde as imagens e as descrições nesses manuscritos continham alegorias moralizantes, e a imagem seria um estímulo visual para essa compreensão didática simbólica.

O mito das criaturas irreais presentes nos bestiários demonstra como esses seres eram representados e imaginados no medievo, e impulsionavam o homem medieval a buscar explicações plausíveis para o meio em que ele vivia segundo o seu contexto histórico.

Dessa maneira a criação de monstros deixou sua marca na história medieval e sobreviveu até atualmente. Ainda existe a presença do bestiário, de forma diferente, e a presença das criaturas no imaginário popular persiste. Claro que ocorreram transformações, mas essa mentalidade coletiva compartilhada acerca de criaturas fantásticas continua presente por meio da literatura, filmes, símbolos, jogos, entre outros.

 

REFERÊNCIAS

GARCIA, Muriel Araujo Lima. As imagens em bestiários ingleses dos séculos XII e XIII. 126f. Dissertação (Pós-Graduação em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

SILVA, Tiago de Oliveira Veloso. O patronato fantasma: autoridade, patrocínio e doação de dois bestiários medievais.

SILVA, Tiago de Oliveira Veloso. O patrono fantasma: autoridade, patrocínio e doação de dois bestiários medievais. 2020. 225 f., il. Dissertação (Mestrado em História)—Universidade de Brasília, Brasília, 2020.

______. Evidências de Patrocínio em Bestiários Medievais. Medievalista. Nº29. IEM - Instituto de Estudos Medievais/FCSH-UNL, 2021.

VARANDAS, Angélica. A Idade Média e o Bestiário. Medievalista. Nº2. IEM - Instituto de Estudos Medievais/FCSH-UNL, 2006.

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Sobre a autora do verbete: Nayara S. Andrade foi graduanda em história pela UFSM e fez parte do Grupo de História Medieval e Renascentista-Virtù. E-mail: nsilvaandrade@gmail.com

Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4749624819718187

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