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Peste Bubônica

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Renascimento ou Renascimentos? Essa pergunta será a força motriz desse verbete. Isso porque vamos tratar aqui de um espaço de tempo localizado entre a penumbra do findar da Idade Média e as primeiras luzes da Idade Moderna europeia. Todavia, antes disso, vamos destacar de forma breve dois aspectos: a temporalidade e a espacialidade. A primeira implica em uma delimitação diversa, por exemplo, para o filósofo e historiador italiano Eugenio Garin, o Renascimento se estabeleceu entre meados do século XIV e fim do século XVI (GARIN, 1991, p. 09). O historiador francês Jean Delumeau escreveu que a renascença teve seu início no século XIII e se estendeu até o século XVII (DELUMEAU, 1994, p. 20), porém outros (as) historiadores (as) apresentam linhas temporais mais curtas ou extensas. A espacialidade também varia, no entanto, há um consenso entre muitos (as) historiadores (as) de que a vanguarda foi a Itália (DELUMEAU, 1994, p. 20). Para Garin, o Renascimento “teve suas origens nas cidades-estado italianas, de onde se propagou depois por toda a Europa” (GARIN, 1991, p. 09). Além disso, segundo o historiador da arte Ernst Gombrich (2012, p. 341) todos que “se interessavam pelo ressurgimento do saber tinham-se habituado a volver os olhos para a Itália, onde a sabedoria e os tesouros da Antiguidade clássica estavam sendo descobertos”.

A partir dessa reflexão historiográfica fazemos uma breve observação, uma vez que, segundo Gombrich, durante a Renascença aconteceu uma “descoberta dos tesouros” da Antiguidade Ocidental. Porém, o que houve foi uma continuidade dos estudos greco-romanos. Pois, segundo Garin, “a Idade Média amava os clássicos tanto como o Renascimento; Aristóteles andava na boca do mundo, talvez mais do que no século XV; Platão era também conhecido, e não apenas indirectamente” (GARIN, 1994, p. 93). Prova material disso encontramos em uma das obras escritas por “Dante [Alighieri] [que] inseriu o poeta antigo [Virgílio] na estrutura da história cristã e introduziu também os antigos deuses, convertidos em demônios, em cavernosos infernos” (GARIN, 1994, p. 94). Em meados do século XIV, o florentino reescreveu sobre o lugar das almas após a morte, ao narrar a sua caminhada pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, interagindo durante a jornada com personagens como Caronte e Minos, além de diversos poetas greco-romanos, entre eles Homero e Lucano. Assim, esses elementos não foram cobertos pelas “trevas” da Idade Média e “descobertos” pelos humanistas renascentistas, demonstrando de forma breve uma das várias continuidades entre o medievo e a Renascença.

Ademais, a produção literária e outras expressões culturais renascentistas se desenvolveram a partir do pensamento medieval, atrelado às erupções econômicas e sociais das últimas décadas do medievo. Porém, algo particular do Renascimento encontramos nos registros escritos pelos humanistas, estes demonstram que havia entre eles a percepção de alteridade no tempo. Um dos homens responsáveis pela proclamação do “renascimento” ou a necessidade de “renascer” foi Francesco Petrarca (1304 – 1374). Segundo o historiador britânico Quentin Skinner os humanistas “inventaram o conceito de idade ‘média’ – ou também o de idade ‘das trevas’ – para descrever o período separando as conquistas da Antiguidade clássica e a restauração, que então sucedia, dessas grandezas passadas” (SKINNER, 1996, p. 131). Skinner também apresenta a visão de época de Bruni, que dedicou “a primeira parte de seu Diálogo a lamentar o fato de que ‘o glorioso legado’ do mundo antigo tivesse sido ‘tão pilhado’ pelas vagas de trevas” (SKINNER, 1996, p. 131). No entanto, “como outros filhos que se rebelam contra a geração dos pais, estes homens deviam mais do que julgavam à ‘Idade Média’ que tão frequentemente denunciavam” (BURKE, 2008, p. 12).

O Renascimento era e é tido por alguns (mas) historiadores (as) como um momento de ruptura com a Idade Média, pois estes apontam que havia um apreço pelo mundo pagão, pelas práticas ateístas, pela redescoberta dos clássicos greco-romanos, entre outros motivos. Todavia, essa visão vem sendo contestada e revista por alguns (mas) historiadores (as) nas últimas décadas. Por isso, Garin escreve que a historiografia recente estaria “empenhada em demolir a visão tradicional de uma ruptura que teria caracterizado a passagem de um modo de pensar a um outro” (GARIN, 1944, p. 91). A fim de reforçar o debate historiográfico sobre as continuidades entre o medievo e a renascença, destacamos que “o caráter irreligioso da Renascença foi uma conclusão preconcebida, e desde então a Renascença ficou qualificada por essa característica” (HAUSER, 1982, p. 360). No entanto, através da arte e das representações religiosas, os mecenas e os artistas buscaram pela remissão dos pecados, de maneira que “a maioria dos pintores representou com igual convicção as cenas bíblicas e os nus mitológicos” (DELUMEAU, 1983, p. 24). Além disso, Skinner escreveu que “os humanistas nunca se empenharam em ‘negar a existência ou a validade’ dos estudos escolásticos” (SKINNER, 1996, p. 125).

Após algumas brevíssimas análises sobre as continuidades entre a Renascença e o medievo, precisamos refletir sobre a pergunta inicial desse verbete. Pois, no debate historiográfico sobre a morfologia renascentista muitos (as) historiadores (as) se posicionam a respeito dele como um movimento e não um período da História. Sobre isso, Gombrich escreveu que, “o Renascimento não era tanto uma ‘Era’ quanto um movimento. Um ‘movimento’ é algo que é proclamado” (GOMBRICH, 2006, p. 35; tradução nossa). Entendemos que a Renascença envolveu pequenos grupos da aristocracia, do clero, de humanistas, de artistas, entre outros. Desse modo, o movimento Renascentista foi heterogêneo, urbano e elitista. Além disso, teve como berço a Península Itálica, se difundindo para outros países do continente europeu de diferentes formas e intensidades. De modo que, os países do norte da Europa foram inspirados pelo contexto da Reforma Protestante; o Renascimento francês se destaca por um novo arranjo arquitetônico simples (GOMBRICH, 2012, p. 269); a Renascença holandesa se caracterizou pelo realismo aplicados na pintura, por exemplo. Portanto, entre as últimas décadas da Idade Média e os primeiros séculos da Idade Moderna aconteceram na Europa vários movimentos Renascentistas, mas frisamos que “o interesse pelo objeto individual, a busca da lei natural e o sentido de fidelidade à natureza, na arte e na literatura, surgem ainda antes da Renascença” (HAUSER, 1982, p. 357 e 358). No século XVIII o poeta e filósofo alemão Gotthold Lessing escreveu, “noite da Idade Média, que seja! Mas era uma noite resplandecente de estrelas” (FRANCO JUNIOR, 2006, p.13), e o seu alvorecer iluminou os séculos seguintes.

 

Referências Bibliográficas

BURKE, Peter. O Renascimento Italiano. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Nova Alexandria, 2010.

_____ . O Renascimento. Tradução Rita Canas Mendes. Lisboa: Edições Texto & Grafia Lda, 2008. DELUMEAU, Jean. A civilização do renascimento. Vol. I. Lisboa: Editorial Estampa, 1983.

FRANCO JUNIOR. Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006. GARIN, Eugenio. O homem Renascentista. Lisboa: Editora Presença: 1991.

_____ . Idade Média e Renascimento. Lisboa: Editora Estampa: 1994.

GOMBRICH, E. H.. The renaissance - period or movement? In: BLACK, Robert (Org.). The renaissance: critical concepts in historical studies. Londres: Routledge, 2006.

_____ . A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.


Sobre a autora do verbete:

Jordana E. Schio, é mestranda do Curso de história na UFSM e integrante do Virtù.

E-mail: jordanaschio06@gmail.com

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3602844717231875

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